SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Moralidade no mundo da gestão: as representações de si e os critérios de julgamentos

O mundo do trabalho contemporâneo, tem sido marcado por meio da flexibilização e mudanças constantes. O gestor é engajado com os objetivos da empresa e mantém sempre um bom relacionamento interpessoal. Entretanto para que se tenha um sistema integrado em busca de resultados e vantagem competitiva, muitos gestores se envolvem e tendem a mobilizar seus valores pessoais, seus julgamentos e sua construção social em torno do objetivo da empresa (Gaulejac, 2007).

Tendo em vista esse contexto, propõem-se reflexões acerca de como os gestores tem coordenado seus próprios valores e os valores organizacionais a partir de uma perspectiva moral. Como referenciais teóricos ao estudo da moralidade caminham-se por duas abordagens, a do professor Yves de La Taille e a Teoria do Domínio Social.

La Taille (2006) analisa as palavras moral e ética. A primeira está relacionada à pergunta: “como devo agir?”, que responde ao sentimento de obrigatoriedade, sendo um elemento comum a todas as morais. Na segunda a pergunta se modifica para: “que vida eu quero viver?”, investigando a noção de felicidade, como uma experiência subjetiva, relacionada ao desejo de ver a si mesmo como pessoa de valor. Para isso examina o conceito de “representações de si”, que corresponde às interpretações que o indivíduo faz sobre si mesmo, pressupondo uma assimilação cognitiva e um investimento afetivo que lhe atribui valor positivo ou negativo.

A Teoria do Domínio Social, por sua vez, investiga três domínios de conhecimento social adquiridos pelo ser humano ao longo do seu desenvolvimento, são eles: domínio moral, referente aos conceitos de bem-estar, direitos e justiça; domínio pessoal relacionado à privacidade e à preferência individual; e o domínio convencional caracterizado pelas tradições e normas sociais (Turiel, 1989).

    Diante das conceituações teóricas, realizamos uma pesquisa em que tivemos como objetivo investigar critérios de julgamentos e representações de si de gestores. A pesquisa averiguou a opinião de vinte gestores no ramo varejista, a partir de três instrumentos: ficha de identificação, referente aos dados pessoais e profissionais; roteiro de entrevista, que identificou as “representações de si” como pessoa e como gestor; e o questionário de dilemas morais, que verificou quais domínios estão em evidência nos julgamentos dos gestores.
    Quanto aos resultados, os gestores apresentaram valores morais nas respostas sobre representações de si positivas. Isto é verificado através de alguns relatos que apresentam características como: honestidade, sinceridade, ética, justiça e compromisso com os outros. Em relação à influência da gestão nas representações de si positivas, foi possível observar elementos favoráveis ​​nos relatos, como "a empresa contribuiu para meu desenvolvimento pessoal da honestidade, em diversas situações"; "a organização me ajudou a aprender a cuidar dos outros"; "a empresa é muito honesta e cumpre suas obrigações". No entanto, sobre o tema da influência da gestão nas representações de si negativas, alguns gerentes apresentaram argumentos como: "Sei que não tenho qualidade de vida devido à minha ocupação"; "Preciso escutar mais as pessoas, estou sempre com pressa e analisando metas"; "Muitas vezes noto todo mundo fazendo seu trabalho sem um senso real de trabalho em equipe."

    Em relação ao instrumento dos dilemas morais, duas histórias foram apresentadas a cada gestor. Posteriormente algumas sentenças foram lidas para que o gestor tivesse que oferecer justificativas. Observamos que a maioria das respostas dos gerentes se enquadra no domínio convencional, ou seja, o que a empresa ou a sociedade propuseram como boa conduta. Apenas algumas pessoas apresentaram suas justificações dentro do domínio moral. Quanto ao domínio pessoal, poucas respostas se assemelharam àquelas relacionadas a posturas e escolhas individuais. Logo, concluímos que os gestores têm um reconhecimento de “si” e parecem ter representações positivas de si mesmos com valores morais. No entanto, embora desempenhem papéis no âmbito moral, convencional e pessoal, ainda apresentam mais justificativas relacionadas ao domínio convencional.

    Por fim, as propostas teóricas e os resultados da pesquisa apresentada trazem a reflexão sobre a relevância do estudo da Psicologia Moral, como um campo de investigação para conhecer julgamentos morais e representações de si, em um encontro com a Psicologia do Trabalho, que permite o conhecimento dos valores e histórias de vidas de gestores. Com efeito, propomos o desafio para novos estudos sobre modelos de gestão e a construção moral acerca dos papeis que os trabalhadores desempenham nas organizações.

 

Referências

Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.

La Taille, Y. (2006). Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed.

Turiel, E. (1989). Dominios y categorías en el desarrollo cognitivo y social. In Turiel, E., Enesco, I. & Linaza, J. (Eds.). El mundo social en la mente infantil. Madrid: Alianza Editorial.

 

Texto: Moralidade no mundo da gestão: as representações de si e os critérios de julgamentos

Autoria: Priscila Bonato Galhardo e Luciana Maria Caetano (Universidade de São Paulo, São Paulo/SP)

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