SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Mudanças rápidas em práticas culturais e o DNA da descrença

QUINTA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2017 - Por João Claudio Todorov

Estava eu viajando de avião da maneira complicada, característica de quem precisa levar a bordo concentrador portátil de oxigênio e baterias suficientes para a duração do voo e mais 50% desse tempo, por segurança: cateter nas narinas, tubo ligado ao aparelho embaixo da cadeira. Quando precisei me levantar para que as outras cadeiras fossem ocupadas, algumas pessoas se ofereceram para ajudar. Posso fazer tudo sozinho, mas os tubos e o aparelho parecem transmitir outra imagem às pessoas.

Comentei essa boa vontade com um senhor que ocupava a poltrona do meio. Desde que tenha nível adequado de oxigênio para respirar sou liberado pelos médicos para viajar sem acompanhante. Como não posso andar muito e nem carregar peso, nos aeroportos as empresas sempre fornecem cadeiras de rodas. Comentei com meu vizinho de viagem que com essa combinação, oxigênio + cadeira de rodas, fiz viagem de 40 horas de Brasília a Kyoto sem andar mais que dez metros, pois no Japão trens e hotéis também dão essa atenção a cadeirantes. Funcionários do trem bala me levaram na cadeira até o hotel e lá me esperavam com outra cadeira, da qual só me levantei dentro do apartamento. Meu vizinho ficou admirado e comentou alguma coisa como “Isso nunca vai acontecer aqui”. A educação japonesa seria obra de milênios, com práticas culturais que “nunca veremos por aqui”, porque isso (falta de educação) está no DNA do povo brasileiro. Aí tive que rir e dizer que estava indo a Londrina falar sobre mudanças rápidas e em larga escala de práticas culturais; se pensasse como ele eu deveria mudar de profissão.

Não só não mudo como continuo a bater na mesma tecla. Questões como as que suscitam em pessoas afirmações como essas, frequentes em artigos de opinião assinados como os que foram publicados nos jornais “Folha de São Paulo” e “Correio Braziliense” na última semana, são questões que se referem a práticas culturais. São comportamentos aprendidos e passados de pais para filhos, de geração para geração. Quanto mais antigos em determinada cultura, mais trabalhosa a mudança.

Mas o que nos dá a confiança em que essa mudança pode ser rápida e realmente em larga escala é a teoria que nos define uma cultura como o conjunto de relações condicionais entre comportamento e consequência, relações mantidas por agências de controle. Em cada grupo, organização, etnia, etc., a aculturação de novos membros segue regras formais ou informais aceitas pelos membros daquele grupo. Mudanças nas regras, e nos comportamentos regulados por elas, podem ser rápidas quando a decisão de mudar for coletiva. Por isso tentativas de mudança por iniciativa dos dirigentes só podem ser bem-sucedidas depois de ampla divulgação da informação e das razões para mudar. Quanto maior e mais complexo o grupo mais trabalhosa será a intervenção, levantando a questão da relação custo-benefício. Qualquer que seja a prática cultural, que é sempre algum tipo de comportamento mantido por consequências, os membros do grupo encarregados da decisão podem decidir não intervir por conta do custo da mudança. Os economistas têm estudos sobre a relação custo-benefício da eliminação da corrupção na sociedade. O custo da manutenção de agências de controle para garantir a erradicação dessa prática cultural torna inviável esse esforço, levando a propostas de diminuir a corrupção a níveis mais favoráveis à manutenção das transações econômicas a um custo compatível com o benefício.

Talvez por essas razões é comum ver autores colocando toda a esperança na educação das novas gerações. Não esperam nada dos adultos. “O povo brasileiro é primário e sem percepção de um projeto nacional. A semana modernista, nos primórdios do século 20, elegera Macunaíma, como o mestiço esperto – no meio das mazelas nacionais -, como o herói brasileiro sem nenhum caráter, ou seja, sem caráter em todos os sentidos. ” (Sacha Calmon, Correio Braziliense de 7 de maio de 2017, página 13). No mesmo dia, mesmo jornal, mesma página, o Professor Titular da Unicamp Jaime Pinsky escreveu: “ O chamado grito do Ipiranga não significou nada para a maioria esmagadora da população do território. Nem para os escravos, nem para os índios, nem para a população do campo, talvez apenas para uma parte pequena e letrada (e proprietária) de moradores de cidades, uma parte ínfima de Brasil. .... Para sobreviver o povão aprendeu a ser dissimulado, traço também tristemente evidente. A população não se sente representada por seus representantes, o poder político tem sido o melhor caminho para a corrupção, ninguém abre mão de seus privilégios e os sonegadores apresentam tudo isso como álibi para não contribuir para o bem comum.  

Lembrando Roberto Campos, citado por Ives Gandra da Silva Martins na Folha de São Paulo de 7 de maio de 2017, página A3 (“O planeta dos malandros”), “com esta mentalidade, o Brasil não corre nenhum risco de melhorar. “ Entretanto, mudar para melhorar é possível e é preciso. Cabe a quem sabe como mostrar o que pode fazer. “Mentalidade” é apenas o nome popular de um conjunto de relações condicionais que isentam de punição e recompensam “quem leva vantagem em tudo”. São regras de convivência que ficam mais fortes toda vez que alguém impunemente fura a fila do cinema, por exemplo.


Fonte: Blog João Claudio Todorov

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