SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Ambientes restauradores: por que ir à praia faz bem?

Parece um pouco óbvio dizer que ir à praia pode fazer uma pessoa se restabelecer de uma condição de estresse, mas a ciência tem corroborado o efeito restaurador dos ambientes naturais. Esse tipo de relação tem sido foco em pesquisas na área da Psicologia Ambiental, que se dedica a temas que tratam da relação pessoa-ambiente, numa perspectiva interdisciplinar, propondo um olhar ampliado sobre como o ambiente afeta as pessoas e as pessoas afetam o ambiente (Pinheiro, Günther, & Guzzo, 2014).

Dentre a grande variedade de temas da Psicologia Ambiental, como por exemplo, percepção ambiental, mobilidade, comportamento pró-ambiental, o foco aqui é no que se convencionou chamar de ambientes restauradores. Estes podem ser definidos como os locais que têm a capacidade de promover o bem-estar e a recuperação de processos de estresse e/ou de fadiga de atenção (Hartig, 2004). Por ser uma área ampla, é possível citar estudos que: a) analisam a percepção da restauração a partir de espaços urbanos com diferentes níveis de elementos de natureza (Carrus et al., 2014), b) investigam elementos de restauração em espaços construídos, como museus, que propiciam a sensação de afastamento de contextos que remetam a cansaço mental (Packer & Bond, 2010); e c) usam óculos de realidade virtual com sons e imagens 3D de ambientes considerados restauradores, durante o processo de trocas de curativos em pacientes com queimaduras, para o melhor controle da dor (Small, Stone, Pilsbury, Bowden, & Bion, 2015). Esses exemplos demonstram a variabilidade de formas para acessar o efeito restaurador, bem como a diversidade de ambientes que podem ser restauradores e propiciarem bem-estar.

Embora a maioria das pesquisas se concentre em países da Europa e da América do Norte, o Brasil é um país com contexto favorável para a produção de conhecimento nessa área, tanto pela falta de estudos em países em desenvolvimento, como em razão da sua geografia e biodiversidade (ambientes de praia, serras, florestas, etc.) e por possuir vastas áreas naturais, sem interferência da ação humana. Essa diversidade torna possível promover estudos comparativos analisando o efeito restaurador em diferentes tipos de vegetação/biomas e em razão da variação climática. Vale destacar que já existem alguns trabalhos no contexto internacional apontando os locais de costa e os de montanha como sendo aqueles com maior potencial de restauração (White, Pahl, Ashbullby, Herbert, & Depledge, 2013), mas ainda não há publicações investigando esse fenômeno no contexto brasileiro. Com a maior parte de sua fronteira cercada pelo litoral, é bastante viável investigar o efeito dos ambientes de praia na população brasileira. Além da disponibilidade de praias no país, esses locais costumam ser de livre acesso, permitindo o lazer democrático para as pessoas, como também, ser um ambiente fortemente estimulador para os sentidos auditivo, olfativo e tátil, além do visual.

Uma característica que prevalece entre os estudos sobre ambientes restauradores é que, comumente, as pesquisas analisam a ocorrência ou não do efeito restaurador a partir do estímulo visual, o que sugere a necessidade de se investigar o fenômeno da restauração através de outros sentidos. Nessa perspectiva, há estudos investigando o canto dos pássaros como mais um elemento de restauração no contato com a natureza (Ratcliffe, Gatersleben, & Sowden, 2018). Uma das perguntas que esses estudos querem responder é: “qualquer som de pássaro possibilita a restauração do estresse ou apenas o som de pássaros específicos?”, contribuindo para mostrar a importância do ambiente natural para a saúde humana e seu benefício psicológico. Tais resultados são coerente com o foco da psicologia em promover bem-estar e da psicologia ambiental em propiciar uma relação pessoa-ambiente saudável e que favoreça a preservação ambiental.

            A aplicabilidade do estudo sobre ambientes restauradores é extensa, permitindo contribuir para o desenvolvimento de estratégias de cuidado com a saúde, assim como para a elaboração de projetos de paisagismo e de planejamento urbano (Hartig, 2004; White & Gatersleben, 2011). Um exemplo disso é o espaço verde criado em uma das  bibliotecas da Universidade de Cornell, em Nova Iorque (EUA), com o intuito de trazer a natureza para dentro das dependências do Campus e ser um espaço para recuperar os visitantes da fadiga de atenção (Fonte: Cornell University, 2012)[1]  apontada pela Teoria da Restauração da Atenção (Kaplan & Kaplan, 1989). No ano seguinte, a mesma iniciativa foi repetida em outra biblioteca da universidade. Ações como essa podem ser reproduzidas em qualquer biblioteca universitária e reforçar o uso do efeito restaurador na qualidade de vida e no incentivo à conservação ambiental.

            Possivelmente, todas essas informações fizeram você querer estar mais próximo a um ambiente natural. Melhor ainda se essa proximidade estiver em torno de 300 metros da sua residência. Essa distância já foi apontada como a ideal para a saúde, em um estudo feito na Dinamarca (Stigsdotter, Corazon, & Ekholm, 2018). Sua permanência em ambientes naturais proporcionará a você a oportunidade de estar com sua atenção relaxada, o pensamento mais leve, suas funções fisiológicas e o humor em equilíbrio, bem como a recuperação da sua concentração para as atividades diárias. Sendo assim, o que você vai fazer nesse fim de semana: curtir a praia, escalar uma montanha ou passear num bosque? Pode escolher!

 

Referências

Carrus, G., Lafortezza, R., Colangelo, G., Dentamaro, I., Massimiliano, S., & Sanesi, G. (2014). Relations between naturalness and perceived restorativeness of different urban green spaces. Psyecology, 4, 227–244. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1174/217119713807749869

Cornell University (2012). Long Live the Green Sward! Disponível em: http://blogs.cornell.edu/olinuris/2012/12/04/long-live-the-green-sward/. Acesso em: 29 de abr. 2019

Hartig, T. (2004). Restorative Environments. In Encyclopedia of Applied Psychology (Vol. 3, pp. 273–279). Retrieved from http://shinrin-yokusweden.se/wp-content/uploads/2016/08/Swedish-article-Restorative-environments-Terry-Hartig.pdf

Kaplan, R., & Kaplan, S. (1989). The experience of nature: a psychological perspective. Cambridge University Press.

Packer, J., & Bond, N. (2010). Museums as Restorative Environments. Curator: The Museum Journal, 53(4), 421–436. https://doi.org/10.1111/j.2151-6952.2010.00044.x

Pinheiro, J. Q., Günther, H., & Guzzo, R. S. L. (2014). Psicologia Ambiental: área emergente ou referencial para um futuro sustentável? In Psicologia Ambiental: Entendendo as relações do homem com seu ambiente. Campinas, SP: Alínea Editora.

Ratcliffe, E., Gatersleben, B., & Sowden, P. T. (2018). Predicting the Perceived Restorative Potential of Bird Sounds Through Acoustics and Aesthetics. Environment and Behavior, 001391651880695. https://doi.org/10.1177/0013916518806952

Small, C., Stone, R., Pilsbury, J., Bowden, M., & Bion, J. (2015). Virtual restorative environment therapy as an adjunct to pain control during burn dressing changes: study protocol for a randomised controlled trial. Trials, 16(1), 329. https://doi.org/10.1186/s13063-015-0878-8

Stigsdotter, U. K., Corazon, S. S., & Ekholm, O. (2018). A nationwide Danish survey on the use of green spaces by people with mobility disabilities. Scandinavian Journal of Public Health, 46(6), 597–605. https://doi.org/10.1177/1403494817745188

White, M. P., Pahl, S., Ashbullby, K., Herbert, S., & Depledge, M. H. (2013). Feelings of restoration from recent nature visits. Journal of Environmental Psychology, 35, 40–51. https://doi.org/10.1016/J.JENVP.2013.04.002

White, E. V., & Gatersleben, B. (2011). Greenery on residential buildings: Does it affect preferences and perceptions of beauty? Journal of Environmental Psychology, 31(1), 89–98. https://doi.org/10.1016/J.JENVP.2010.11.002


[1] Notícia em https://www.hypeness.com.br/2012/12/projeto-traz-a-natureza-para-dentro-da-universidade/

 

Texto: Ambientes restauradores: por que ir à praia faz bem?

Autoria: Susana de Oliveira Santana e Zenith Nara Costa Delabrida (Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, SE)

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