SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Por que investigar autoritarismo político em pesquisas psicológicas?

            Não são poucas as propostas teóricas acerca das “bases do autoritarismo brasileiro” (Schwartzman, 1982). Diversas análises foram feitas, muitos conceitos foram discutidos, mas um aspecto foi comumente ignorado ontem e hoje: a tendência individual a apoiar regimes autoritários. Desde 1988, a psicologia dispõe de instrumentos com boas evidências de validade para medir a tendência a apoiar regimes autoritários. Entretanto, esses instrumentos foram pouco utilizados no Brasil, criando um cenário em que temos muitas teorias e poucos dados, especialmente em nível individual. Dado o cenário atual, a psicologia tem diante de si uma boa chance de qualificar as discussões, intervir no fenômeno e ampliar sua influência no debate público.

            Recentemente, realizamos uma adaptação transcultural para o Brasil do instrumento mais recente que há internacionalmente para medir autoritarismo (Vilanova, DeSousa, Koller, & Costa, 2018). Ele é composto por quatro fatores: Submissão à autoridade – mede tendência a se submeter a autoridades acriticamente; Contestação à Autoridade – tendência a contestar, protestar e criticar autoridades; Tradicionalismo – tendência a apoiar padrões e valores morais tradicionais; e Autoritarismo – tendência a apoiar medidas punitivas severas como pena de morte. Calculada a média dos escores nesses fatores, tem-se um indicador da tendência individual geral de apoiar regimes autoritários, que no Brasil foi 2,09 (podendo variar de 0 a 5).

            No estudo, foi perguntado aos participantes em que parte do espectro político eles se situariam, isto é, se eles se auto identificavam como uma pessoa de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita ou nenhuma dessas categorias. Curiosamente, aqueles que se auto identificaram como de centro ou em nenhuma dessas categorias apresentaram médias de autoritarismo superior à média geral, ou seja, mesmo aqueles que se declaram apartidários estão bastante suscetíveis a se submeterem a líderes autoritários, o que acende um alerta para a política no Brasil.

            Um outro achado merece destaque. A literatura demonstra que a religiosidade é um dos principais determinantes para o preconceito contra diversidade sexual e de gênero. Todavia, estudo recente (Vilanova, Koller, & Costa, 2018) demonstrou que, no Brasil, mais determinante do que a religiosidade per se é o grau de apoio a padrões e valores morais tradicionais, mensurado pela média do fator Tradicionalismo da escala mencionada anteriormente. Foi demonstrado que não é tão importante se as pessoas são ateias, pouco religiosas ou muito religiosas com relação ao preconceito contra diversidade sexual e de gênero, pois nesse caso o fator determinante é o Tradicionalismo. Assim, se você é um ateu que apoia padrões e valores morais tradicionais ferrenhamente, a probabilidade de que você apresente preconceito é maior do que alguém religioso que seja mais cético com relação a padrões morais tradicionais.

            “Mas eu não trabalho com psicologia social, como esse construto pode ser útil nas minhas pesquisas?”. Comecemos pela psicologia cognitiva: Quanto maior o nível de autoritarismo, menor a tendência a apresentar flexibilidade cognitiva (Jost, Glaser, Kruglanski, & Sulloway, 2003). Para a psicologia do desenvolvimento: Quanto mais autoritários os pais, mais autoritários tendem a ser seus filhos (Ludeke & Krueger, 2013). Para a psicologia organizacional: Quanto mais autoritário, menos o sujeito tende a ter um estilo de liderança que leva em conta a opinião dos colegas (Nicol, 2009). Para a psicologia clínica: Quanto mais autoritário... Não se sabe! Há um debate (Van Hiel & De Clercq, 2009) acerca de se os níveis de autoritarismo aumentam ou diminuem a suscetibilidade a desgastes emocionais. Agora que há um instrumento adaptado para o contexto nacional, todas essas associações podem ser verificadas no nosso contexto!

Referências:

Jost, J.T., Glaser, J., Kruglanski, A.W., & Sulloway, F.J. (2003). Political Conservatism as Motivated Social Cognition. Psychological Bulletin, 129(3), 339-375. doi: 10.1037/0033-2909.129.3.339

Ludeke, S.G., & Krueger, R.F. (2013). Authoritarianism as a Personality Trait: Evidence from a Longitudinal Behavior Genetic Study. Personality and Individual Differences, 55(5), 480-484. doi: 10.1016/j.paid.2013.04.015

Nicol, A.A.M. (2009). Social Dominance Orientation, Right-Wing Authoritarianism, and their Relation with Leadership Styles. Personality and Individual Differences, 47(6), 657-661. doi: 10.1016/j.paid.2009.06.004

Schwartzman, S. (1982). Bases do Autoritarismo Brasileiro. Campinas: Editora Unicamp.

Van Hiel, A., & De Clercq, B. (2009). Authoritarianism is Good for You: Right-Wing Authoritarianism as a Buffering Factor for Mental Distress. European Journal of Personality, 23(1), 33-50. doi: 10.1002/per.702

Vilanova, F., DeSousa, D.A., Koller, S.H., & Costa, A.B. (2018). Adaptação Transcultural e Estrutura Fatorial da Versão Brasileira da Escala Right-Wing Authoritarianism. Temas em Psicologia, 26(3), 1299-1316. doi: 10.9788/TP2018.3-07Pt

Vilanova, F., Koller, S.H., & Costa, A.B. (2018). Tradition: The Real God of Intolerance. Pôster apresentado no congresso Preaching to the Choir da Canadian Psychological Association, Montréal, Canadá.

 

Texto: Por que investigar autoritarismo político em pesquisas psicológicas?

Autoria: Felipe Vilanova e Ângelo Brandelli Costa  (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul, Porto Alegre, RS)

Newsletter

Cadastre-se para receber notícias por e-mail: